Rio perde 60 livrarias em 6 anos e vê lojas de bairro e novos modelos de negócio crescerem


Segundo associação, em 2017 a cidade contava com 204 livrarias e hoje tem 144. Fechamento de redes como a Saraiva e pandemia fizeram os livreiros pensarem em alternativas. Livraria Galileu do Largo do Machado fechou as portas
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O fechamento anunciado da Livraria Galileu do Largo do Machado, no mês passado, foi mais uma das muitas notícias do fim de lojas do setor no Rio nos últimos anos.
De acordo com o último levantamento da Associação Estadual de Livrarias do Rio de Janeiro (AEL-RJ), os cariocas viram a extinção de 86 lojas de livros entre 2017 e 2023: 22 no Centro, 23 na Zona Norte, 18 na Zona Oeste e 23 na Zona Sul.
No mesmo período, a cidade viu a inauguração de 26 lojas de livros, grande parte delas nas regiões mais afastadas do Centro – uma tendência para tentar espantar a crise, segundo especialistas ouvidos pelo g1.
Para eles, o melhor caminho para superar as dificuldades tem sido apostar na descentralização e diversificação do negócio, e as livrarias de bairro têm ganhado força.
Rio perde 60 livrarias em 6 anos
Bárbara Miranda / Arte g1
Em seis anos, o saldo no Rio foi negativo, com 60 livrarias a menos e uma redução de 30% no mercado de lojas físicas. Atualmente, a cidade conta com 144 estabelecimentos funcionando e uma média de 10 livrarias fechadas por ano, desde 2017. Em todo o estado, são 252 lojas de livros.
Grandes redes fechadas
O número alto de livrarias fechadas na cidade foi puxado pela crise das grandes redes, como a Saraiva, por exemplo.
A empresa estava em recuperação judicial desde 2018, depois de não conseguir renegociar dívidas com fornecedores. Na ocasião, a companhia informou que tinha dívidas no valor de R$ 675 milhões.
Livraria Saraiva no shopping (Imagem de arquivo)
Book de Lojas Saraiva/Reprodução
Só no Rio, dez lojas da Saraiva fecharam nos últimos anos. A rede Fnac é outro exemplo do fechamento de grandes livrarias.
Outras marcas tradicionais no mundo livreiro também fecharam suas portas: Galileu; Cultura; Travessa; e a rede Nobel, que contava com seis unidades nas zonas Norte e Oeste da cidade.
Para o presidente da AEL, o livreiro Borgópio D’Oliveira, dono da Triuno Livraria, em Irajá, na Zona Norte, o problema não é a ausência de clientes e sim a falta de boas práticas de gestão nos negócios.
“A questão não é o mercado. É muito mais uma falta de atualização dos modos de gerenciamento do negócio. Um problema de gestão. A Saraiva fez muito sucesso com suas ‘megastores’, mas o tempo mostrou que o modelo não era conectado com os novos consumidores de livros”, comenta Bergópio.
O fechamento mais recente no Rio aconteceu no Largo do Machado, na Zona Sul, com o fim da última unidade da Livraria Galileu, que anos antes já havia encerrado suas atividades na Tijuca e em Ipanema.
“O fundador, senhor Edeir Carvalho, tem mais de 90 anos e está se aposentando. O filho dele, Antonio Carlos, que foi presidente da AEL, faleceu em 2021. A família não quer seguir com o negócio”, explica Bergópio.
Saraiva, maior rede de livrarias do país, entra com pedido de recuperação judicial
Segundo o livreiro Ivan Errante, vice-presidente da AEL, o fechamento da rede revela outro problema, a falta de renovação na administração, quando a família não quer mais seguir o caminho dos gestores mais velhos.
“Se a gente estudar o mercado livreiro vamos ver exemplos parecidos com o da Galileu, onde o dono em idade avançada resolve encerrar a livraria por não ter quem dê continuidade”, comenta Ivan.
“Muitas livrarias fecharam no Centro, mas outras abriram em regiões como Meier, Irajá e Madureira. (…) Nas livrarias muito antigas, seus donos acabam fechando um ciclo. E essas livrarias menores conseguiram ter destaque em seus bairros.”
Livrarias de bairro ganham força
Na avaliação de Marcus Teles, presidente da Associação Nacional de Livrarias (ANL), a crise econômica de 2016 e 2017 foi determinante para o fechamento de muitas livrarias.
Além disso, segundo ele, quando o mercado começava a tentar se recuperar, veio a pandemia da Covid-19, que afetou o setor, principalmente no Rio de Janeiro.
“Essas que fecharam eram mega livrarias, com número grande de área de exposição de prateleiras de livros. Tivemos crise financeira, fechamento de grandes redes e depois a pandemia. Nós esperávamos uma queda até maior”, afirma Teles.
Na avaliação do presidente da ANL, o que está acontecendo no setor é uma troca: as grandes livrarias estão dando espaço para livrarias de bairros, muitas vezes especializadas.
“As megalojas vão acabar, não vamos ter mais no Brasil lojas com 2 mil metros quadrados. O que acontece agora é uma descentralização. As lojas estão deixando o Centro e ocupando bairros com menos concorrência”, diz Marcus Teles.
A Belle Époque discos e Livros, no Meier, aposta no espaço como um lugar de encontros
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A segmentação das livrarias também foi um ponto que mereceu o destaque de Marcus.
“As livrarias que mais cresceram foram para o público infanto-juvenil. A Bienal de São Paulo e a Bienal do Rio mostraram isso quando bateram todos os recordes. É incrível como a metade do público era de 10 a vinte e poucos anos. Os jovens invadiram a bienal”, relata.
“E você também tem as livrarias especializadas em diversidade, sobre negritude, indígenas, diversidades sociais, as livrarias religiosas. (…) Você tem um potencial grande para essas lojas que atendem públicos específicos. A gente acredita que o mercado está se recuperando”, avalia Marcus Teles.
RJ é 4ª no ranking nacional
O tamanho da crise no Rio não se repete no restante do país. De acordo com a Associação Nacional de Livrarias (ANL), o Brasil perdeu apenas 1,8% de suas livrarias em 10 anos, enquanto o Rio perdeu 30%, em seis anos.
Anuário Nacional de Livrarias foi lançada pela ANL em agosto desse ano
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O último Anuário Nacional de Livrarias, publicação lançada pela ANL em agosto desse ano, apontou que a região Sudeste continua concentrando o maior número de pontos de venda no Brasil, com 1.814 livrarias. A região Sul, com 561 livrarias, aparece em segundo no ranking.
De acordo com o levantamento, o estado brasileiro com mais livrarias funcionando é São Paulo, que tem 1.167 lojas. Com 252 estabelecimentos, o RJ ocupa a 4ª colocação, atrás de Minas Gerais (353 livrarias) e do Rio Grande do Sul (293).
O anuário da ANL também classificou as livrarias por suas especializações. O levantamento confirmou que as livrarias de interesse geral são maioria no Brasil, com 1.047 unidades.
Belle Époque discos e Livros, no Meier, na Zona Norte do Rio
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A segunda linha de livrarias com maior apelo popular é voltada para o público infantil e juvenil, onde a venda de quadrinhos é ponto forte. Ao todo, são 914 livrarias desse tipo.
A categoria dedicada a venda de livros religiosos aparece em 3°, com 611 lojas, sendo 321 para o público evangélico e 290 para os católicos.
Bar e livraria se completam
Na tentativa de atrair novos leitores e fidelizar os mais antigos, os livreiros do Rio já sabem que uma boa apresentação nas redes sociais é o básico para sobreviver. Agora, eles buscam outras estratégias para alavancar as vendas.
Ivan Errante, dono da Belle Époque discos e Livros, no Meier, na Zona Norte, decidiu fazer de sua livraria um espaço de encontro. E o que pode ser mais tradicional para o carioca do que um encontro no boteco perto de casa?
O Boteco Cultural da Belle é parte da livraria e, durante o dia, serve refeições que ajudam no negócio
Reprodução redes sociais
Com a resposta na cabeça, Ivan decidiu alugar a loja que estava vazia ao lado de sua livraria. A ideia era ter um bar e fazer com que os dois estabelecimentos fossem ligados culturalmente. E assim nasceu o Boteco Cultural da Belle.
“A Belle Époque começou já com esse lance de receber as pessoas, ficar mais tempo, passar um sábado aqui, escolher um livro, tomar uma cervejinha e ter uma conversa. E esse ano teve a oportunidade de vagar um espaço aqui do meu lado, que eu já olhava tem muito tempo”, diz Ivan.
“Eu tenho o sarau toda quarta-feira, que é dentro do bar. Quinta-feira tem karaokê, sábado tem alguma atividade, como lançamento de livro, roda de conversa, alguma coisa assim. E uma vez por mês tem a nossa feira, que é a Belle e a Feira”, conta Ivan.
O objetivo dele era ter um espaço maior para os eventos culturais, como lançamentos e encontros, mas a ideia também ajudou a pagar as contas, já que o bar também é reduto da boemia local e serve refeições durante o dia.
“Nos dias de eventos, o faturamento do bar é maior porque a gente vende comida e bebida. Mas assim, na média, o bar e a livraria ainda são equilibrados. Eu acredito que vá continuar até porque os dois caminham juntos”, completa Ivan.
Ivan Errante Costa, dono da Belle Époque discos e Livros e do Boteco Cultural da Belle
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Grande defensor das livrarias como um espaço cultural, Ivan também acredita que as pessoas devem deixar de ser reféns do “algoritmo”, numa referência às livrarias que atuam apenas pela internet.
“Eu vendo pelo Instagram também e as pessoas lá estão no algoritmo. O algoritmo vai te dar os livros relacionados a sua busca, mas na livraria física você vai se permitir descobrir muitas outras coisas, descobrir livros que você nem fazia ideia de que poderiam te interessar. Vão surgir outras possibilidades de leitura. E isso não tem preço”, diz.
“Nada supera o fator humano. Quando o livreiro conhece os clientes ele vai indicar coisas que o algoritmo não vai conseguir captar, sobre o interesse daquela pessoa”, explica Ivan.
Para completar a sessão de conselhos dos especialistas do setor no Rio de Janeiro, Borgópio D’Oliveira deixou mais um recado sobre a importância das livrarias na construção da sociedade.
“Quando passo em um lugar e vejo uma farmácia em cada esquina, logo imagino que todos lá estão doentes. Agora se um bairro não tem nem uma livraria, como aqueles moradores vão lembrar da importância dos livros?”, questiona.
“Todo leitor pode e deve descobrir uma livraria para chamar de sua”, diz Borgópio D’Oliveira.
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