Você conhece a taboa? Planta aquática vira artesanato sustentável e fonte de renda para famílias do ES


As artesãs tecem esteiras, luminárias e soulplats com o material que vem da beira dos rios, sem degradação, na região em Aracruz, Norte do Espírito Santo. Prêmio Biguá: grupo de mulheres faz arte com a taboa no Norte do ES
Com o Natal chegando, uma agricultora em Aracruz, Norte do Espírito Santo, já sabe como vai enfeitar sua árvore: com taboa. A artesã pretende criar seus próprios enfeites com a mesma planta que suas companheiras de trabalho usam para gerar renda extra e ajudar no sustento da família. Ela faz parte de uma comunidade na cidade que está transformando essa planta que cresce nas margens do Rio Piraquê-Açu em sustento, e de maneira sustentável.
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As artesãs tecem esteiras, luminárias, soulplats (apoio de prato) e até mesmo enfeites de jacaré. Com seus produtos, geram renda para pelo menos 15 famílias da comunidade Boa Vista, no distrito de Santa Rosa. É forma de ganhar dinheiro com uma prática sustentável.
A família da Marcilene Krauz é uma delas. Sua renda principal vem do trabalho rural exercido por seu marido nas roças próximas. Mas a artesã explica que esse não é um dinheiro certo. Como ele trabalha por diária, há vezes que não há serviço disponível.
Planta aquática vira artesanato sustentável e fonte de renda para famílias do ES
Reprodução/TV Gazeta
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A renda é complementada pelo benefício do bolsa-família que Marcilene recebe desde que seu filho, hoje com 8 anos, nasceu. Mas, em 2023, essa renda foi cortada pela metade. “A gente quer chegar num momento em que possamos sobreviver só da renda do artesanato. Ainda não é possível. Mas nós pretendemos. Esse é o objetivo”, contou a artesã. Ela aprendeu a tecer taboa com as mulheres de sua comunidade.
A taboa é uma planta muito comum que pode ser encontrada em 21 dos 26 estados brasileiros e também no Distrito Federal. Na comunidade de Boa Vista, por exemplo, há muitas. “Todos os meus irmãos têm a taboa no fundo do quintal. No meu tem pouquinha coisa, mas tem”, disse outra artesã, Roseana Carvalho Pereira.
Técnica de artesanato com planta aquática taboa é passada entre gerações e ajuda a sustentar famílias no ES
Pós-graduada em Psicopedagogia, Roseana aprendeu o ofício de artesã observando a mãe Aldir Carvalho alimentar os 16 filhos com a renda da venda de esteiras. Na época, nos períodos em que não estava na escola, auxiliava com tarefas como cortar taboa ou pegar água no brejo. “Ela fazia muita encomenda para fora e, às vezes, pedia ajuda. Agora ela aposentou e estão os filhos e os netos que estão praticando esse ofício”.
Artesanato produzido com taboa em Aracruz, Norte do ES.
Reprodução/TV Gazeta
Na sua infância, a taboa, além de ajudar na renda familiar, era transformada em colchões e travesseiros para a família numerosa. Mas sua memória mais querida é de quando ia ao brejo com a mãe e ficava brincando com as partes da taboa que não eram usadas na produção da esteira. As mesmas partes que hoje Marcilene usa para fazer brincos, cordões, tapetes, mandalas e vários outros produtos. Com 43 anos, Roseana conta que percebeu que a tradição, transmitida de mãe para filha na comunidade, estava perto de desaparecer.
“Fiz faculdade, fiz tudo para ser professora. Aí larguei a carreira na educação e falei: ‘quer saber, vou ficar nessa profissão mesmo. Vou seguir a tradição porque vi que, se eu não desse iniciativa, ia parar ali. Ninguém ia fazer mais nada’. Eu senti necessidade de continuar. E além de renovar a tradição, eu ajudo outras pessoas da comunidade a aprender cada vez mais, ensinando o processo”, falou.
Planta aquática vira artesanato sustentável e fonte de renda para famílias do ES
Divulgação/TV Gazeta
Rastros de uma tragédia
Em novembro, o rompimento da barragem da Samarco, em Mariana, Minas Gerais, completou oito anos. Considerada a maior tragédia ambiental do Brasil, deixou 19 mortos, destruiu comunidades inteiras e impactou dezenas de municípios. A comunidade de Boa Vista, como Célia contou, também foi afetada.
Taboa é retirada das margens do rio Piraquê Mirim, em Aracruz, Norte do ES.
Reprodução/TV Gazeta
Acontece que o Rio Piraquê-açu é um estuário, ou seja, uma área onde a água do mar e do rio se encontram. Assim, quando a lama caiu no Rio Doce e chegou ao mar, atingiu também a costa de Aracruz.
“(Fazer artesanato foi) Uma necessidade também porque a gente não está podendo ir no mangue mais. Porque desde que teve o desastre de Mariana, uns falam que está poluído, que não pode estar consumindo o produto, num sei o quê… E a gente fica com medo de pegar o produto e vender, né? E tem muita gente que não quer comprar, que fica assustado, né? Então, desde esse desastre que teve nós quase num vamos no mangue mais”, explicou Roseane.
Impactos desde o início
A Secretaria de Meio Ambiente de Aracruz (Semam) disse que o impacto real da lama na unidade de conservação Piraquê-açu ainda está sendo analisada. Porém, na vida dos moradores da comunidade, o impacto foi sentido desde o início. A tragédia fez os pescadores ficarem com medo de alimentar suas famílias e os compradores desaparecerem pelo mesmo receio.
Mulheres usam taboa para criar peças e gerar renda em Aracruz
Criada na comunidade Boa Vista, a artesã Célia Araújo, 43 anos, foi sustentada por meio de duas formas: as esteiras vindas da taboa e a pesca do mangue. Escolheu criar sua família catando marisco e pescando. Mas quando o desastre de Mariana aconteceu, a pesca deixou de ser uma opção.
“A minha parte mesmo era a pesca. Mas houve essas mudanças e a gente teve que procurar outra fonte de renda. Eu comecei a aprender recentemente, até fiz esses dias minha primeira bolsa. Está dando certo e eu estou adorando. Tem muita gente que ensina aqui, como a minha sogra”, contou a artesã.
Artesanato para gerar renda e preservar o meio ambiente
Foi nesse momento de tragédia que a Priscila Nobres, coordenadora da Unidade de Conservação da Prefeitura de Aracruz entrou nessa história. Ela explicou que a prefeitura, com o apoio do Sebrae/ES, precisou encontrar formas alternativas de geração de renda para a comunidade. Entre várias opções analisadas, perceberam o grande potencial das artesãs que trabalham com taboa. Além de gerar renda, o artesanato também contribui para o empoderamento e preservação do meio ambiente.
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Divulgação/TV Gazeta
“Resgatar essa técnica permite o empoderamento financeiro dessas mulheres e reduz a pressão sobre outros recursos da reserva ambiental onde a comunidade está inserida”, observou Priscilla.
Já o biólogo e gerente de Recursos Naturais da Semam, Fabrício Rosa, ressaltou que a taboa não pode ser cultivada, por isso é muito importante conservar o entorno da reserva para que a planta não seja extinta na região.
“Elas precisam da taboa para poder gerar trabalho e renda. E para ter a taboa a gente precisa do ambiente preservado. Por isso nós estamos aliando a geração de trabalho e renda com a conservação da nossa reserva”, contou.
Planta aquática vira artesanato sustentável e fonte de renda para famílias do ES
Divulgação/TV Gazeta
O longo processo de transformar planta aquática em renda
O processo começa indo ao brejo e cortar taboa no Rio Piraque-Açu-Mirim. Para produzir esteiras, o produto mais vendido, as artesãs vão de duas a três vezes por semana coletar a matéria-prima. Depois são necessários de cinco a sete dias no sol forte até a taboa secar.
A taboa não pode pegar sereno, então, todo fim de tarde tem que ser guardada. Essa secagem é um passo essencial para garantir que a planta fique resistente e não murche.
Planta aquática vira artesanato sustentável e fonte de renda para famílias do ES
Divulgação/TV Gazeta
Por esse motivo, as artesãs aproveitam dias de sol bem quente para coletar e armazenar várias. Além disso, ainda há uma série de outras pequenas etapas como amarrar e fazer fechinhos. Só depois a tecelagem começa. Esse também é um processo demorado.
Com sua experiência, Roseana, por exemplo, consegue tecer apenas duas esteiras por dia. Mas há outros artesanatos que demoram menos tempo e exigem quantidade menor de matéria-prima. São os casos de peças como chapéus, brincos, mandalas, entre outros.
Planta aquática vira artesanato sustentável e fonte de renda para famílias do ES
Divulgação/TV Gazeta
Mas saber fazer artesanato não significa saber gerenciar um negócio de artesanato. Para aprender coisas como criar uma marca, realizar um bom acabamento, precificação, as artesãs tiveram o apoio do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae). Em 2023, o Sebrae/ES realizou capacitações e imersões para familiarizar as artesãs com outros projetos estaduais que também utilizam a taboa. Elas também foram incluídas, no começo do ano, em um projeto pioneiro voltado para a profissionalização de artesãos no estado.
“Nosso objetivo era formalizar essas mulheres, que estão muito empenhadas em transformar esse saber em negócio”, disse a analista do Sebrae/ES, Roberta Vieira, que dá suporte ao grupo de artesãs.
Planta aquática vira artesanato sustentável e fonte de renda para famílias do ES
Divulgação/TV Gazeta
Isaura da Silva Vieira, 54 anos, é a líder das artesãs extrativistas de Aracruz. Vizinha da Roseane, ela recorda a época em que sua mãe e dona Aldir teciam juntas as esteiras para vender na comunidade. Ela acredita que o projeto irá gerar renda para as mulheres da comunidade, principalmente nesse momento em que estão começando a acreditar e se empolgar com o negócio.
Atualmente, as artesãs de Aracruz se organizaram no grupo “Arte Bovis: conhecimento ancestral garantindo um futuro sustentável às extrativistas – Artesãs de Aracruz” e já ganharam dois prêmios. O Prêmio Biguá de sustentabilidade 2023 e o Prêmio Farol do Bom do Sindicato das Indústrias Metalúrgicas e de Material Elétrico do Estado do Espírito Santo (Sindifer).
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Reprodução/TV Gazeta
No final de novembro (30), os produtos da associação embarcaram em uma aventura além das divisas capixabas: exposição na Feira Nacional de Artesanato, em Minas Gerais. Segundo as agricultoras, esse foi mais um passo rumo a profissionalizar sua tradição ancestral.
Atualmente, a tecelagem é feita na casa das artesãs. Mas esperam que essa realidade mude. O prefeito de Aracruz visitou o projeto e prometeu um galpão para que possam armazenar a taboa, expor seu artesanato e ter um local para produzir juntas.
*Carla Nigro é aluna do 26º Curso de Residência em Jornalismo. Este conteúdo teve orientação e edição de Vitor Ferri.
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