João Bosco expõe a asfixia da Nação queimada no estupendo single ‘O canto da terra por um fio’


Capa do single ‘O canto da terra por um fio’, de João Bosco
Divulgação
♪ OPINIÃO – João Bosco aguenta por um fio o sofrimento do Brasil profundo asfixiado por queimadas e ganâncias. O artista sofre o bafio da fera, tal como Jeje, entidade ancestral evocada em versos de Nação (João Bosco, Aldir Blanc e Paulo Emílio, 1982), samba apresentado ao Brasil na voz luminosa de Clara Nunes (1942 – 1983).
Só que o Brasil de 2023 sofre mais do que o de 1982 na questão ambiental. Estupendo single que chega ao mundo via Som Livre na sexta-feira, 15 de dezembro, anunciando o álbum de músicas inéditas que Bosco lançará em 2024 pelo selo MP,B, O canto da terra por um fio flagra o artista em movimento evolutivo 50 anos após um primeiro álbum que preparou o terreno em 1973 para que o cantor, compositor e violonista mineiro construísse obra fundamental na música brasileira.
O single O canto da terra por um fio apresenta música composta por João com raízes afro-indígenas e letrada por Francisco Bosco – certeiro parceiro letrista desde a década de 1990 – com versos que denunciam a asfixia da Nação, evocam a mitologia do povo Yanomani e exprimem sentimento de indignação diante do sangue escarrado pela violência praticada cotidianamente contra o meio ambiente e os povos originários.
A gravação de O canto da terra por um novo fio é imersa em sons de pássaros, evocando deuses da floresta na fricção do violoncelo de Jaques Morelenbaum – autor do arranjo inebriante – com o violão singular do próprio João Bosco.
Dramática sem cair no terreno do sentimentalismo, O canto da terra por um fio é música à altura do histórico do compositor e alimenta altas expectativas para o álbum que sairá em 2004, sete anos após o último disco de músicas inéditas do artista, Mano que zuera (2017).
♪ Com a palavra, João Bosco: “Quando me dei por satisfeito ao chegar no fim dessa canção (fonemas, sonoridades, ainda despidos de tradução e sentido ) disse pra mim mesmo: é uma canção que vem do chão, da terra, do suor, do barro do chão, da fauna , da flora, do Poço Fundo…onde as pessoas vivem, trabalham, preparam a terra para semear, cantam em louvor ao que virá. É uma canção que eu diria afro-indígena, ou seja, tem a pegada rítmica/harmônica Afro e uma melodia que remete ao canto da floresta, ao campo, aos bichos, ao chão da terra e àqueles que a habitam… Estamos então numa paisagem de florescimento pois é o que tudo indica. Conversando informalmente como sempre faço com os meus parceiros, nesse caso, com Francisco Bosco, ficamos horas a fio a falar sobre tudo isso. Talvez o Brasil seja um dos raros países do mundo onde se pode discutir a Nação por meio de sua música popular. Foi exatamente nessa encruzilhada que o meu parceiro pensando alto disse que nesse momento, de passado bem recente, devíamos interpretar essa situação de uma maneira mais contemporânea: Queimadas, em vez de florescimento. Distopia em vez de utopia e por aí ia… Será que essa interferência em nossas descontraídas reflexões estaria sendo influenciada por “Omama”, a quem é atribuída a origem das regras da sociedade e da cultura Yanomami? Teria um Xapiri (espíritos auxiliares dos pajés) assentado em meu parceiro? O Brasil foi inteiramente afetado de maneira cruel por esse passado recente e que nesse momento estamos a nos deparar com a apuração desses acontecimentos, mas a nossa mata, nossa fauna e nossos indígenas tão exaltados pelos escritores, compositores, poetas e pela própria história ardem em lava que mata tudo que sonhamos. Não é o Poço Fundo, mas o fundo do poço. O canto da terra por um fio é uma canção que dá a partida para um álbum que será lançado em meados de 2024. Estamos interpretando essa canção: o violoncelista e arranjador Jaques Morelenbaum e eu, de violão e vozes. Gravação realizada no Estúdio Visom, no dia e graça de Cosme e Damião, 27 de setembro de 2023”. João Bosco
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